Treinar em jejum: prós e contras

A prática de treinar em jejum é benéfica para algumas pessoas, mas não para todas.

19 de março de 2023 - às 20h32 (atualizado em 4/3/2024, às 15h18)

prato vazio com talheres cruzados
Crédito:

Envato

Escrito por

Júnior Ferreira

Redator

De acordo com estudo publicado em 2019 pelas universidades de Bath e Birmingham, no Reino Unido, praticar exercícios em jejum pode trazer benefícios à saúde. O estudo mostra que pessoas que treinam em jejum queimam mais calorias do que as pessoas que treinam somente após desjejuarem. Além disso, segundo o estudo, os níveis de açúcar dos indivíduos se mantêm sob controle durante os exercícios.

Entretanto, existem algumas ressalvas a se fazer. Dereck Oak, nutricionista clínico e esportivo e pós-graduando em nutrição, metabolismo e fisiologia do exercício físico, alerta para o fato de que a prática de treinar em jejum é benéfica para algumas pessoas, não para todas. Ele explica que ainda falta embasamento e consenso nas áreas de estudo, tanto na parte médica quanto na nutricional, pois existe bastante divergência de informações, mas que conhecendo as necessidades de cada pessoa e encaixando para ela quando necessário, pode ser uma prática positiva.

“Vou deixar de lado o fato de a gente ter que sempre conversar com o paciente e levar isso de forma individual. Vou dar um exemplo: um paciente que acorda muito cedo, não consegue comer de manhã e só consegue treinar de manhã. Ele acaba tendo que treinar em jejum. E você vai falar pra ele que isso é uma coisa ruim? Que não pode fazer? E ele vai deixar de treinar pra sempre? Não. Você tem que achar uma solução que melhore isso, seja com um refeed (estratégia que planeja uma ingestão maior de calorias e carboidratos), antes de dormir, para fornecer energia para manhã seguinte, colocando um intratreino, um pós-treino, enfim”, pondera o nutricionista.

Franz Burini, médico do esporte, doutor em nutrição humana aplicada e coordenador médico da Confederação Brasileira de Surf, é preciso enfatizar o princípio biológico do organismo humano, que é o princípio de adaptabilidade, em outras palavras, a partir do momento que se induz uma situação atípica para o organismo, ele vai precisar se adaptar.

Se o indivíduo tem em sua rotina o hábito de ingerir alimentos e de repente começa a prática do jejum, esse organismo vai precisar se adaptar, a tendência é que em repouso ocorra a otimização da oxidação de gordura, que é a queima de gordura. O jejum intermitente acaba sendo, muitas vezes, uma conduta profissional de orientação, buscando em consequência a essa adaptação ao jejum, a perda de medidas e de peso, a otimização no controle dos níveis de colesterol e glicemia.

“Quando a gente sai da situação de repouso e vai se exercitar, a gente precisa compreender o intuito. Se o objetivo é desempenho/performance, com certeza haverá só malefícios (o jejum), você não otimiza, não melhora o desempenho treinando em jejum”. Ele afirma que, nesse caso, fisiologicamente não é uma prática positiva. “Em alguns casos específicos, pautados em orientações profissionais, quando o indivíduo sabe, tem propriedade pautado em alguns exames de sangue, aí sim, pode ser atipicamente favorável, mas habitualmente a gente não orienta”, explica o médico.

 

Benefícios de treinar em jejum

Burini diz que o primeiro ponto a se destacar entre os benefícios é no trato digestório, que não é sobrecarregado. Grande parte do fluxo sanguíneo está no músculo durante o exercício, isso não possibilita que o organismo priorize o trato digestório, dessa forma, a otimização da absorção de nutrientes não acontece. Existem muitos artigos e estudos abordando o estresse gastrointestinal na corrida, pois na hora em que se está correndo há o efeito gravitacional. Ele também lembra que existem alguns estudos sobre estresse das vísceras em determinadas modalidades. Quando se está em jejum não há esse estresse gastrointestinal e os desconfortos associados a ele, como eructação, náusea, vômito ou diarreia, como acontece, algumas vezes, em provas de corrida de rua.

“Sob a ótica de metabolismo, a gente tem que entender qual a característica do exercício que o indivíduo vai fazer. Se forem exercícios de intensidade baixa a moderada, o nosso organismo utiliza, predominantemente, gordura para gerar energia. A partir do momento em que aumenta essa intensidade, o predomínio não vai ser da utilização de gordura e sim, de outras fontes energéticas, como carboidrato, glicogênio, nível muscular principalmente e gliconeogênese, o indivíduo gasta massa muscular para gerar energia. Então, em exercícios de alta intensidade, o indivíduo não otimiza a oxidação de gordura, são outras vias metabólicas”, afirma o médico esportivo.

“Você imagina que o indivíduo já está em jejum e de repente expõe o organismo a uma situação de alta intensidade, a característica de estresse desse organismo com certeza é bem exacerbada. Agora, a gente tem que prestar atenção na característica do que ele vai fazer de treino, quando a gente fala característica é qual a intensidade do treino, a duração do treino, a periodicidade com que ele vai estar fazendo”, completa Burini.

Outros benefícios em treinos de intensidade baixa ou moderada:

  • Melhora da sensibilidade à insulina

Quando se diminui o consumo de carboidratos e se realiza treinamentos em jejum, melhora-se a sensibilidade à insulina, que é a capacidade que o corpo tem de usar a glicose de uma forma inteligente e eficiente.

  • Melhora a utilização de gordura visceral

Redução da gordura que envolve os órgãos, que está associada ao aparecimento e desenvolvimento de diversas doenças crônicas.

  • Estimula a produção do hormônio do crescimento (GH)

O GH é o hormônio responsável pelo crescimento da musculatura, pela menor perda de massa muscular, equilíbrio do metabolismo e reparo das células.

Oak destaca o fato de que os estudos não apontam que há diminuição de gordura no geral, a gordura que as pessoas desejam diminuir, como a gordura da barriga e dos flancos, mas sim da gordura visceral.

 

Malefícios de treinar em jejum

Burini afirma que, atipicamente, existem alguns indivíduos que estão adaptados a esta situação de treinar em jejum, mas que a prática, em algum momento, vai comprometer a integridade da resposta do organismo ao treino, que não terá o desempenho otimizado. Em determinadas circunstâncias, quando se tem uma situação de alta demanda energética e há um déficit que não vai suprir essa necessidade do organismo, obtém-se o que se chama de déficit energético relativo – do inglês, relative energy deficiency (RED) – e ele tem repercussões prejudiciais, tanto no contexto de performance quanto no contexto clínico.

“Em um contexto clínico, o indivíduo pode ter uma suscetibilidade de infecções oportunistas, queda de imunidade e alguns indivíduos começam a ter comprometimentos de eixos hormonais. Nas mulheres, acaba sendo bem característico, por exemplo, a tríade da atleta feminina, alterações do padrão menstrual, do ciclo menstrual e se perpetuada essa situação de déficit energético relativo, se você prolongar por muito tempo esse hábito, além da alteração do ciclo menstrual associada a outras alterações em relação ao nível de estrógeno, compromete a integridade dos ossos progredindo para osteoporose”, adverte Burini.

Enquanto no contexto de performance, se o indivíduo estiver na situação descrita como uma síndrome do déficit energético relativo, a partir do momento em que ele está expondo o organismo a uma situação em que o corpo não tem resposta apropriada ao treino, ele começa a ter dificuldade de concentração, irritabilidade e, muitas vezes, com uma mentalidade de buscar superar essa situação adversa, começa a favorecer lesões e até recidivas de lesões.

  • Fadiga

Treinar em jejum pode levar a pessoa a ter uma fadiga mais rápida, então, o treino pode ser pior e atrapalhar a meta do indivíduo, pois ele estará diminuindo a intensidade, desempenho e talvez o tempo do seu treino. A fadiga também pode aumentar o risco de lesões, pois a pessoa estará mais fraca. Pode levar o indivíduo a sentir tontura, caso esteja levantando peso ou realizando treinos mais intensos e prolongados.

  • Hipoglicemia

Oak alerta para o fato de que se por um lado a prática leva a melhora da sensibilidade à insulina, pois a quantidade de açúcar no sangue diminui, por outro, existe o risco da hipoglicemia pelo mesmo motivo. Em pessoas com diabetes ou em estado de pré-diabetes, essa questão pode ser mais prejudicial, podendo levar a óbito em casos muito graves.

  • Perda de massa muscular

Se o objetivo é a hipertrofia (ganho de massa muscular), treinar em jejum pode atrapalhar os resultados. O indivíduo  corre o risco de ter parte de sua massa magra utilizada como fonte de energia, caso não tenha gordura para queimar, visto que a sua reserva de energia estará muito baixa.

Vale lembrar que os efeitos dos benefícios e malefícios, variam de pessoa para pessoa. Cada organismo é único e deve ser avaliado como tal, sempre por um especialista.

 

Cuidados para tornar a prática mais segura

O nutricionista, Oak, defende que a melhor maneira é sempre ter o acompanhamento de um profissional de saúde, principalmente de um nutricionista. “Quem cuida do cardápio, da alimentação, quem mais estudou isso, quem entende mais dessa área, por lógica, é o nutricionista. Os outros profissionais vão ser muito importantes, com certeza, por isso que a gente fala que o trabalho multidisciplinar é a utopia do atendimento, mas quem vai estar atento à dieta, à alimentação é o nutricionista. Então, ter esse acompanhamento de forma individual e com orientações vai garantir que ele seja eficaz, além de seguro”.

Já Burini, afirma que primeiro se deve contextualizar a individualidade de cada um, mas que é importante ficar atento às principais manifestações clínicas associadas às hipoglicemias, pois quando se está praticando algum exercício em jejum e ela ocorre, significa que o organismo está utilizando uma quantidade de energia muito maior por não estar mais em repouso e que ele não está recebendo o aporte de energia do qual está necessitando. O músculo está em atividade, então as atividades metabólicas, nível celular e a demanda de energia aumentam sem que se esteja suprindo isso.

“A gente tem que orientar em relação às manifestações de hipoglicemia. Tontura, fraqueza, suor frio, alteração do campo visual, ou seja, o indivíduo tem uma aptidão física mínima e, de repente, dentro daquela aptidão ele começa a ter um cansaço desproporcional ao condicionamento que ele tem”, conclui.

 

Dicas dos profissionais

Antes de deixar algumas dicas, Oak adverte mais uma vez sobre a importância do atendimento individualizado, pois o que serve para uma pessoa, pode não servir para outra. Ele diz que é muito importante que as pessoas entendam a questão da individualidade. Não é simplesmente ver uma dica e tomar para si, acreditando que pode aplicar em sua rotina de qualquer maneira.

“Se eu fosse instruir alguém de uma maneira mais saudável a fazer isso, seria começar de forma gradual. Você não pode estar acostumado a fazer um treino intenso e ir treinar em jejum com a mesma intensidade que você treina; você vai passar mal, isso não vai fazer bem, você vai se sentir fraco, pode ter um mal súbito”.  O ideal é realizar uma adaptação de forma gradativa, associando o jejum a treinos menos intensos e com menor duração e ir aumentando esses dois fatores de acordo com a adaptação da pessoa, de forma estratégica e com acompanhamento profissional.

Manter-se bem hidratado é de extrema importância, principalmente estando em jejum. Não se pode estar em jejum de alimentos e ainda privar o corpo de água, então deve-se hidratar bem antes, durante e após o exercício. Hidratação é  fundamental tanto para um bom fluxo sanguíneo, para um bom pump (inchaço muscular que favorece o fluxo sanguíneo na região treinada), quanto para a saúde.

O nutricionista ainda sugere que pode-se treinar em jejum e fazer uso de um intra treino quando o treino for um pouco mais intenso. “Encaixar esse intra treino que deveria ou poderia ter uma quantidade de carboidrato, pelo menos para poder servir como energia rápida e evitar a hipoglicemia, evitar que você tenha esse mal súbito”.

Depois do treino, essa alimentação vai ser muito importante para ter bons resultados e não jogar fora o trabalho realizado, simplesmente porque a pessoa praticou exercícios em jejum e não se alimentou. A alimentação pós-treino é fundamental. Uma boa fonte de carboidratos para repor a energia, a proteína para proteger os músculos e uma fonte de gordura para diversas funções hormonais. Claro que isso tem que estar alinhado com o objetivo e com o profissional que acompanha o indivíduo, mas quando se está em jejum, o pós-treino é fundamental.

Burini indica que sempre se deve contextualizar se o treino será em jejum, qual modalidade será executada, qual a característica do treino, qual será a intensidade, duração e periodicidade, porque o organismo vai se adaptar. “Se você está habituado a fazer um treino sem estar em jejum seu organismo tem uma resposta, no contexto clínico, pode haver uma modulação da composição corporal, no contexto de performance, o jejum pode favorecer lesões e recidivas de lesões”. aconselha o médico esportivo.

 

Consulte sempre um profissional sério! Aqui no Let’s Move! é possível encontrar um profissional perto de você ou on-line. Utilize a nossa busca!