Transtorno do Espectro Autista (TEA): o que é, causas e sintomas do autismo
Cada pessoa com TEA é única e pode apresentar várias combinações de sintomas e características
25 de agosto de 2023 - às 14h27 (atualizado em 3/4/2024, às 09h36)
Escrito por
Dayana Bonetto
Redatora Let's Move 360
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica do desenvolvimento que afeta o comportamento, a comunicação, a interação social e os padrões de interesses e atividades de uma pessoa. Segundo Thiago Bezerril, psiquiatra com foco de atuação em Autismo e Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), o autismo está relacionado à forma como o cérebro se forma. “Desde os primórdios, ainda dentro do útero da mãe”, explica.
O TEA é chamado de espectro porque abrange uma ampla variedade de características e níveis de gravidade, variando desde formas mais leves até formas mais graves da condição. Cada paciente com TEA é único e pode apresentar várias combinações de sintomas e características. Para Bezerril, o termo espectro traduz muito da natureza do autismo. “Não está aí à toa, porque, de fato, dentro das pessoas que preenchem critérios para esse diagnóstico, existem diferenças muito grandes. Há semelhanças; caso contrário, não seria uma categoria diagnóstica, mas existem diferenças muito grandes; por isso se fala que é espectro. O nome ‘espectro’ também reflete um pouco da natureza de como as características do autismo ocorrem, como elas se manifestam em outras pessoas. Na natureza, os fenômenos não acontecem de forma categórica; não são apenas preto ou branco, quente ou frio, mas sim na forma de um espectro, de um contínuo ao longo de uma escala”, esclarece.
O TEA atinge de 1% a 2% da população mundial e, no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente dois milhões de pessoas. Pelos dados do Center of Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, entre as crianças a proporção é de que uma a cada 44 sofre com o transtorno.
TEA e Síndrome de Asperger: inclusão no DSM-5
Em maio de 2013, durante o encontro anual da Associação Americana de Psiquiatria (APA), David Kupfer, psiquiatra da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, apresentou a quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Kupfer foi chefe do grupo que revisou o novo DSM-5.
Com o auxílio de 1.500 especialistas em psiquiatria e após uma década de discussões, novas doenças, que não eram listadas anteriormente, foram incluídas e outras, alteradas. Na nova versão, foi empregada a denominação Transtorno do Espectro Autista (TEA) para abranger o autismo clássico e os demais transtornos do desenvolvimento que apareciam como distintos no DSM-4, publicado em 1994. A APA também decidiu incluir a Síndrome de Asperger no TEA. De acordo com a associação, as mudanças ocorreram pela dificuldade de diagnosticar e diferenciar subtipos de transtornos do desenvolvimento, já que entre eles apareciam algumas semelhanças. Essa mudança de nomenclatura reafirmou a ideia de espectro, de que há diferentes intensidades: leve, moderado e severo.
Na nova Classificação do CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), atualizada em janeiro de 2022, a Síndrome de Asperger foi incluída nas subdivisões do TEA, baseando-se apenas na presença ou não de prejuízos na linguagem funcional e de deficiência intelectual. Segundo essa nova classificação, que tornou a síndrome parte do TEA, ela passou a ser considerada um tipo de autismo brando. Com um grau do transtorno mais leve, os aspergers não enfrentam, à primeira vista, deficiência na comunicação tão evidente, como no caso de um autista. É difícil notar algum problema mais acentuado em sua forma de expressão, mas, com a convivência maior é possível perceber tendências a certas dificuldades, como o uso de palavras requintadas, pouco usuais no dia a dia. A característica mais marcante nos aspergers é a grande dificuldade de sociabilização, além de uma escassa capacidade imaginativa. Eles costumam se destacar muito em áreas que geralmente exigem raciocínio lógico. Isso porque são focados, meticulosos e não gostam de errar no que se propõem a fazer. Muitos portadores da síndrome passam pela vida sem ter recebido o diagnóstico.
Sintomas do Autismo
Os sinais e sintomas do autismo estão relacionados aos critérios diagnósticos, segundo Bezerril. De acordo com ele, existe um conjunto de sintomas que são chamados de sociais e de comunicação. “Pessoas com autismo têm dificuldades, déficit de comunicação social e de interação, de socialização. Isso envolve uma ampla gama de características, como dificuldade de compartilhar intenção, interesses, ter uma comunicação mais direta, seja verbal ou não verbal, ou da integração entre elas, dificuldade de iniciar e manter relacionamentos. Então, isso envolve uma série de características relacionadas a esse conjunto, a essa área de socialização e de comunicação”, explica.
O segundo grupo de critérios de sintomas de autismo está relacionado a padrões de comportamentos, interesses repetitivos, estereotipados e restritivos. Bezerril destaca que é quando há a rigidez e a inflexibilidade cognitiva no autismo, algo com o qual indivíduos com autismo têm muita dificuldade de lidar, como mudanças e imprevistos, e possuem uma necessidade de previsibilidade e controle. “Existem os interesses restritos que são a tendência de ter um superfoco, ou seja, um interesse intenso em um determinado tema ou objeto. Isso inclusive é algo que atrapalha a socialização. Existem também as questões sensoriais, que entram dentro desse padrão mais restrito, de você perceber o mundo pelos órgãos dos sentidos de uma forma alterada, seja com muita sensibilidade ou com pouca sensibilidade”, pontua.
De acordo com Bezerril, são esses conjuntos de sintomas que os profissionais de saúde buscam quando estão definindo o diagnóstico. “Eles precisam ter começado nos primeiros anos de infância, um critério importante. Não existe autismo que começa na adolescência ou idade adulta, mas precisa encontrar características já nos primeiros anos de infância. E esses sintomas e sinais precisam causar um prejuízo significativo, ou um impacto realmente relevante na vida do indivíduo, com sofrimento e prejuízo, porque também se não, não é autismo. É aquela ideia do espectro. Tem pessoas que têm características de autismo, mas não em um nível intenso suficiente para dizer que têm um transtorno do espectro do autismo”, esclarece.
Padrões repetitivos e restritivos de comportamento
Cada criança apresenta sintomas distintos. Não existem autistas iguais, mas é possível observar algumas reações mais frequentes. O comportamento repetitivo, por exemplo, está associado ao aspecto motor e sensorial da criança menor. Já o restritivo, tem a ver com o estreitamento de seu mundo e suas preferências – que começa por volta dos 7 anos.
A ajuda dos pais nesses momentos também é fundamental. Eles podem e devem aprender, com ajuda de profissionais treinados, a lidar com essas atitudes sem intensificá-las. A melhor sugestão é ampliar o repertório de interesses do pequeno.
Comportamento restritivo:
- Desconforto e ansiedade com mudanças de rotinas;
- Dificuldade de entender o que o outro sente ou pensa ou interpretar gestos corporais e faciais;
- Apego a temas bem específicos, a determinados programas de TV, jogos;
- Interesses por algumas partes de um brinquedo ou objeto – e não ao todo;
Comportamento repetitivo
- Balançar o corpo ou as mãos, girar a cabeça mecanicamente – estereotipia;
- Gostar de uma determinada atividade e realizá-la continuamente durante todo o dia;
- Ver repetidas vezes o mesmo desenho, filme ou série favorita, ou jogar videogame;
- Empilhar ou enfileirar carrinhos e outros objetos.
Níveis do Transtorno do Espectro Autista
Segundo Bezerril, o TEA é classificado em 3 níveis de gravidade, com base no suporte que a pessoa necessita. “O autismo é dividido em Suporte 1, 2 e 3. Quanto maior o suporte, maior o apoio que o paciente precisa para interagir. O nome suporte não é escolhido ao acaso; ele indica o quanto o paciente precisa de apoio para ter uma reação. Portanto, o autista de Suporte 1, de forma geral, tem sintomas que impactam menos o seu funcionamento em comparação, por exemplo, com aquele que necessita de Suporte 3. Isso realmente acaba sendo um indicador indireto de gravidade”, destaca.
Níveis de suporte e gravidade
- Nível 1: necessita de pouco suporte – há pouco ou nenhum prejuízo na linguagem, dificuldade para iniciar interações, interesse reduzido em relacionamentos e inflexibilidade;
- Nível 2: necessita de suporte moderado – há inflexibilidade, prejuízos na linguagem, dificuldades na comunicação verbal e não verbal, danos nas habilidades sociais e possibilidade de deficiência intelectual;
- Nível 3: necessita de alto suporte – ausência de linguagem funcional, possibilidade de deficiência intelectual, déficit de comunicação grave, danos nas habilidades sociais, intensos comportamentos repetitivos e inflexibilidade.
TEA: hipersensibilidade sensorial
O portador do TEA possui hipersensibilidade, uma desordem sensorial. Isso significa que, ao seu redor, tudo lhe parece e é excessivo: barulho, claridade, cheiros. Há uma sinfonia devastadora que agride seus sentidos. Muitas das atitudes agressivas da criança com TEA estão ligadas a essa percepção. Para explicar tal condição, durante o Congresso da Nederlandse Vereniging van Autisme (NVA) 2015, na Holanda, o pedagogo educacional belga Steven Degrieck citou uma comparação. De acordo com ele, os americanos usam o termo fight, flight e freeze (luta, foge, congela) para designar ações típicas de uma pessoa desorientada. Degrieck destacou resumidamente, que essas mesmas reações podem ser percebidas quando o autista é sobrecarregado aos estímulos. Na concepção dele, o que luta pode ser o portador que grita, joga objetos ou se agride. O que foge é a criança que sai do local que a perturba. Isso ocorre muito na fase escolar quando o aluno sai da sala e se esconde em algum lugar. O ato de congelar pode ser observado naquele que apresenta comportamento diferente em locais distintos. Em casa, a criança demonstra estar calma e, na escola, age de forma inadequada. Ou vice-versa.
A hipersensibilidade afeta também a concentração, a percepção do ambiente e, por fim, o aprendizado. Não é difícil, por exemplo, imaginar a reação de um autista em uma festa de aniversário, na rua ou na escola. No colégio, ela não vai se ater ao que o professor tenta explicar porque, ao mesmo tempo que ele fala, a criança vai ouvir os mais variados sons e ruídos do ambiente. A passagem da folha de caderno, de um lápis ou borracha que cai no chão, os passos no corredor, o ranger da porta, os carros lá fora, o canto do passarinho na árvore atrás da janela. Quem sofre da hipersensibilidade não pode fugir, não consegue explicar o que sente. Seu cérebro não é capaz de filtrar, ordenar e assimilar. Portanto, é essencial a pais, cuidadores e professores prestar atenção a cada sinal em meio a um emaranhado de estímulos.
Desintegração sensorial é o nome dado pela ciência a essa condição do autismo que ocorre no tronco encefálico, região que conecta a medula espinhal às estruturas cerebrais da criança. Há também o distúrbio integrativo sensorial, que provoca uma espécie de congestionamento no cérebro; é a sobrecarga sensorial que não está relacionada apenas ao aspecto auditivo, mas a todos os seus sentidos. Ao mesmo tempo que sons e ruídos as invadem incansavelmente, os olhos também sofrem com cores e luzes. Os cheiros, os sabores, tudo é incômodo para as crianças. A roupa queima. O toque incomoda.
O contrário ocorre com a criança com hiposensibilidade, aquela com menor sensibilidade. Ela tem necessidade de estar perto do barulho, de aparelhos domésticos ruidosos; gosta de atirar objetos, brinquedos ao chão, tudo para ouvir o som, para ver algo diferente, enfim, para sentir algo novo. Ela é indiferente à dor – pode cair, se machucar e não vai chorar nem se sentir incomodada quando exposta ao frio e ao calor. A hiper e a hiposensibilidade, apesar de tão opostas, ajudam a ilustrar bem a condição do espectro, que se manifesta de forma diversa em cada pessoa.
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